Culturalismo: a redescoberta da Mesopolítica na era globalizada



O aprendizado humano passa pela busca do equilíbrio. Onde algo se torna muito grande, aparece também o muito pequeno. A grande meta, porém, é resgatar as harmonias, onde jazem as grandes verdades da condição humana.



A macropolítica foi extremamente estruturada através da macroeconomia globalizada. Então, da mesma forma como a guerrilha costuma oferecer resistência eficaz aos exércitos profissionais, as chamadas “micropolíticas” também tem emergido como uma proposta socializante. Na verdade, todos os movimentos comportamentais hippies e afins foram basicamente experimentos micropolíticos, contrastando fortemente com as lutas revolucionárias desesperadas, e também macropolíticas porque buscavam a mudança completa das coisas.


As dimensões da política

A mesopolítica busca o seu poder transformador na cultura coletiva, ficando a meio termo entre a civilização geral e o comportamento específico. A macrorevolução civilizatória representa algo traumático e no mais das vezes utópico, ainda que possa alcançar alguns efeitos sociais. Já a microrevolução comportamental tende a ser socialmente inoperante –por isto igualmente utópico-, ainda que possa aportar bases para isto. Esquematizemos, pois:

          a. Civilização ............. macropolítica
          b. Cultura ................... mesopolítica
          c. Comportamento ..... micropolítica

O verdadeiro “investimento” social jaz portanto na mesopolítica cultural, que é o campo das relações sociais naturais e cotidianas, da elaboração da cultura e das economias naturais. 
O Culturalismo existe como disciplina social desde a década de 1930, nascida nos Estados Unidos como uma corrente da antropologia e da psicanálise, que busca destacar o papel da cultura nos fenômenos sociais e também na formação do indivíduo. Podemos inclusive observar a forma como o Culturalismo –talvez mais como Multiculturalismo- começa a dominar os cenários dos Fóruns Sociais Mundiais, fazendo emergir consigo o ambientalismo de maneira natural e autêntica.

Autores atuais como Enrique Dussel (coordenador da “Filosofia da Libertação”) veem as tradições culturais ou, antes, as “culturas populares” como um caldo-de-cultura propício para as novas revoluções sociais. Citemos:
“Uma é a ‘revolução patriótica’ da libertação nacional, outra a ‘revolução social’ das classes oprimidas, e a terceira, a ‘revolução cultural’. Neste último caso, dá-se o pedagógico, a juventude e a cultura.” (“Oito Ensaios sobre cultura latino-americana e libertação”, São Paulo: Paulinas, 1997, p. 137).  
Inadvertidamente, o autor trabalha com categorias ideológicas sociais (nacionalismo, socialismo e “culturalismo”), onde o “nacionalismo” se equipara às revoluções burguesas iluministas (no mundo colonial o sentido não seria exatamente o mesmo), ao passo que o tema da “cultura” chega quase a transcender o “social”...
O mesmo enfoque cultural tange à nossa proposta de “novo nacionalismo” tribal, regionalizado e confederativo proposto através da “Sociologia do Novo Mundo”, seja pela valorização das culturas nativas e populares, seja pela organização das populações oprimidas e marginalizadas, através da “retribalização” cultural da sociedade (de setores ao menos), não das tendências pessoais psicanalisadas ou pela uniformização midiática de McLuhan –todos eles reducionismos, subjetivos ou estruturais, sem compromisso direto com o avanço social e a renovação cultural-, mas pelas propostas sociais construtivas e organizadas na forma de comunidades reais e autonomistas. A inovação traduz um perfil anárquico e aristocrático independentista. 


Ora, burguesia e proletariado formam o “grande” e o “pequeno” no plano da matéria. A burguesia tende à “revolução cultural permanente” (no dizer de Marx e Engels) através do crescendo contínuo da economia. E o proletariado limita-se ao imediato, à satisfação do momento e à economia de subsistência.
As classes mais sutis e refinadas, aristocracia e clero, surgem como graus de equilíbrio nesta correlação e como dinâmicas complexas. Emergindo naturalmente como fruto e avanço destas tensões, a aristocracia é um proletariado refinado e o clero é uma espécie de burguesia espiritualizada. 

As classes materialistas não compreendem todavia as atividades guerreiras e religiosas, tratam o assunto de maneira forçosamente reducionista e amadora. Da mesma fora que, inversamente, a aristocracia e o clero não manifestam interesse pessoal na produção e no comércio. Assim, para termos um todo os quatro setores são necessários. E tudo se apresenta através dos sistemas e dos símbolos dialéticos, dos quais cabe mencionar especialmente o quaternário do Tao (ver imagem acima).
A dialética materialista é apenas a primeira das dialéticas (seria na verdade ainda um dualismo), exterior e “fundadora”, ela abriga e gera daí uma nova dialética, a qual também se contrapor de forma “desconstrutiva”, assim como pela qual pode aspirar “construtivamente”, a depender do curso evolucionário das sociedades.
Nas sociedades em desconstrução na Eurásia se aspira antes pela simplificação social, porém no Novo Mundo (Américas) em construção necessitamos investir vitalmente na organização desta cosmologia socialcom vigor e sem preconceitos, cuidando para evitar as ideologias alienadas ou realizar uma “antropofagia cultural” adequada das mesmas. 
Alimentar preconceitos contra qualquer das classes sociais por princípio representa uma alienação ideológica gritante que não pode caber numa sociedade em construção, podemos até criticar a forma como as classes se expressam na sua origem colonialista e aculturadora, porém jamais trata-las como indesejáveis, tocando antes os esforços por recriar ou renovar todas as expressões sociais e depois tratar de harmonizá-las entre si. Para ficar mais claro então:
“Se pode agora, articular-se como um novo sujeito histórico, o povo oprimido (que são as classes exploradas do capitalismo dependente e outros grupos marginais, etnias e raças também exploradas) para criticar a liberais e conservadores, nacionalistas (no original, “hispanistas”, n.A.) e esquerdas dogmáticas ou abstratas.” (“Filosofia de la Cultura y la Liberación”, p.257, Universidad Autonoma de la Ciudad del México. 2006)
Podemos encontrar na Bolívia de Evo Morales um exemplo atual destas afirmações, onde a cultura tradicional (campesina e urbana, cuja natureza é a sociedade aristocrática natural, pese descaracterizada pelos processos da Conquista) emerge como motor das transformações nacionais. Da mesma forma, a “cultura popular” tem expresso no Brasil uma série de levantes e de manifestações, inclusive autonomistas (não casualmente de tendências monarquistas), e que foram duramente reprimidas e abortadas pelo Estado centralizador, sob o beneplácito das massas urbanas doutrinadas. A resistência do nativo e do camponês, ambos isolados nos vastos sertões, tem sido quase sempre inglória e trágica, da parte de uma cultura oficial pautada pela riqueza e pela urbanidade. Dussel tem consciência dos severos desafios a esta proposta, coisa que termina naturalmente por conferir sempre uma dimensão trágica ou heroica:
“A tarefa não é fácil. Seremos criticados pela esquerda abstrata e pela direita populista – no melhor dos casos, quando não francamente capitalista de dependência. De qualquer forma, a solução será vislumbrada a partir e graças à revolução cultural popular.” (Op. cit, p.258, 2006)

O dom demiúrgico

Hoje se fala muito de “micropolítica urbana” e de “práticas cotidianas” como uma forma de buscar mudanças sociais. Contudo, as limitações desta atuação social nas velhas cidades capitalistas está sugerida nesta mesma concepção de “micropolítica”, afinal estamos remando ali contra a maré..! De modo que, e para além dos individualismos (lembrando a máxima de que “comportamento não é revolucionário”), seria muito importante as pessoas buscarem algo realmente novo, estruturalmente, seria necessário para atingir o plano da mesopolítica, que é onde se encara a verdadeira esfera social, intermediária entre o individual (micropolítica) e o civilizatório (macropolítica). A meso-revolução representa o grande caminho da renovação cultural, profunda e integral se se quer, e que se abre ontem, hoje e sempre.
Quando se cria todo um ambiente novo (r)evolucionário, então já podemos falar efetivamente de mesopolítica e dos importantes recursos através disto disponíveis. Uma nova cidade pode ser planejada com paradigmas totalmente diversos e, ainda assim –que é o que mais importa- funcionais. Hoje sabemos não querer o isolamento; por mais que amemos a Natureza, de modo que o rururbano é que soa mais ideal, de resto sempre tão importante nas longevas e harmônicas sociedades originários e tradicionais.


Em suma, pode ser chegada a hora de investir seriamente na ideia da comunidade completa, feita com as próprias mãos, e considerando o papel simbólico e fundador que esta instituição tem recebido através dos tempos. Sem novos investimentos estruturais renovadores, ainda que delimitados a alguns grupos de início, não se avançará nem social e nem culturalmente. É preciso pois invocar o poder demiúrgico no homem, mesmo porque aquilo que importa realmente não são as “estruturas” sociais e sim o próprio ser humano.
Muitos de nós avançamos através do comportamento adquirindo experiência, e também obtivemos recursos materiais: tudo isto pode ser investido na criação de novas estruturas sociais, a partir de consensos mínimos que podem ser alcançados com ferramentas de acordos sociais.
Agora que o chamado “socialismo real” virou utópico, quem sabe não chega a hora do antigo socialismo utópico com algum reforço virar realidade também? Mais uma vez, pode ser o momento de recordar antigas canções: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”...

“Cultura popular”: um pivô revolucionário natural?

Nestas aspirações podemos encontrar apoio natural da população, o povo ama muito mais o autônomo do que o revolucionário. Todos querem ser livres, apenas não querem encarar conflitos desnecessários e prejudicar a outrem intencionalmente.
Não obstante, a cultura popular terá os seus próprios valores e paradigmas, não devendo ser cooptada pelo Estado ou por ideologias externas, podendo contudo influenciar os seus rumos. Não vemos que algum neo-marxismo possa cooptar a cultura popular para as suas causas materialistas, isto seria como repetir os erros já digeridos da Teologia da Libertação. Neste sentido, ao termo “libertação” ligado ao fator econômico contrapomos aquele do “livramento” literal inerente à cultura popular (inclusive bíblico), uma vez que vivemos sob um sistema explorador de cativeiro que transcende o fator econômico: a preservação da cultura e o sincretismo são fermentos para a busca da liberdade e da emancipação.
A perda da riqueza étnica e cultural agrava naturalmente esta possibilidade, e a cultura popular passa cada vez mais a migrar para as hostes duvidosas do evangelismo. Não se duvide daí que estes meios acabem se tornando novos veículos revolucionários e redencionistas, tal como começa a se manifestar através na política tradicional. Contudo, as tendências teocratizantes futuras organizadas através do Estado, não são promessa de liberdade social e de cultura popular; se as antigas teocracias foram comumente primores de humanismo, das modernas nem sempre se pode dizer o mesmo. Tal como a alteridade foi ferida com a colonização, esta mesma alteridade será convocada para gerir a alternativa libertária que é também tradição popular sob o seu expectantismo redencionista.
Isto não estaria reduzido portanto à “dialética da civilização” neo-hegeliana modernista de Oswald de Andrade que culmina na “síntese” do “homem natural tecnicizado” (pós natural/matriarcal e pós civilizado/patriarcal/messiânico), quiçá sob o império da libido (a sociedade castrati, autômata dos instintos medicados e nunca transcendidos, para alegria dos psicanalistas) à moda “Admirável Mundo Novo” da alienação absoluta. Pois se esta for a síntese intelectual e realista entrevista por muitos, devemos avançar ainda para a matese da práxis perfeita, capaz de abranger a dimensão universal do espírito através do verdadeiro poder criador. Pois tampouco trataremos de buscar “tomar o céu de assalto” mediante os subterfúgios da “felicidade imediata e indolor”, a lobotomização química que anula a pulsão de mudar mais integralmente a “realidade”, nos deixando suscetíveis ao tempo e seus agentes, tema aliás de outra obra impagável de Aldous Huxley, “A Ilha”, que ao final é tomada de assalto pelos imperialistas.


Para encerrar este tópico, há que perguntar então quem estaria habilitado a promover a revolução social? Existe uma escala natural. Aquele que realizou a sua revolução interior, naturalmente se habilita a propor a revolução social, e aqueles que tem sucesso na revolução social podem se qualificar para a revolução civilizatória.
Que os sonhadores de todas as correntes possam colocar pois as mãos à obra, para fazer surgir as suas utopias aqui, ali e acolá feito cogumelos –e não se esqueçam de convidar o povo para ter legitimidade e dar o colorido necessário, agora que as cidades capitalistas estão deixando de ser funcionais. Neste intercambio teremos a mais fiel imagem do todo e, com isto, a segurança do sucesso.


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