Comuncidades - a nova face da Utopia



A utopia soft tomou a forma da comunidade alternativa desde os primórdios da Revolução Industrial, que também incrementou a urbanização maciça visando concentrar trabalhadores industriais, servidores e consumidores potenciais em torno das cidades como polos da nova etapa da economia global.

Projeto "New-Harmony", Robert Owen, Indiana,1838.
O idílio social rural era o contraponto natural a esta situação opressiva, e inspirou as primeiras propostas de contestação através do “socialismo utópico” de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858). O termo foi forjado por Engels, quem pretendeu trazer depois, juntamente com Marx, o “socialismo científico” através do envolvimento das massas trabalhadoras na revolução violenta, para implantar a ditadura do proletariado –ou aquilo que se poderia chamar hoje de utopia hard.
Os hippies dos anos 60 seguiram mais ou menos a linha dos utópicos originais, buscando organizar comunidades rurais, embora não fossem raras as comunas urbanas. Este movimento alcançou o Brasil nos anos 70, já adaptado às circunstâncias locais de ditadura militar. Havia modelos inspiradores como Findhorn (1962) na Europa e The Farm (1971) nos Estados Unidos -além das comunidades de artistas e naturalistas como Monte Veritas, e nascida ainda sob a égide do “socialismo utópico” (falanstérios, etc.) em 1900.

Membros destas comunidades originais fizeram parte das fundações da cultura espiritual alternativa e comunitária brasileira, como Sara Marriot (de Findhorn, Escócia, para Nazaré Paulista, SP, com Trigueirinho), Ida Hofmann (fundadora de Monte Veritas, Itália, para Monte Sol, Palmital, Paraná) e Emma C. de Mascheville (de Monte Veritas para a Comuna de Cristalina, Goiás), quem foi madrasta de Swami Sevananda (Sítio Mãe d’Água, Belo Horizonte).
Estas e outras correntes–como a Antroposofia, a Ananda Amarga e a Grande Fraternidade Universal- apadrinharam o nascimento do Movimento Comunitário no Brasil. Contudo, este movimento –“organizado” pela ABRASCA- sempre abrigou distintas correntes “complementares”, e naturalmente se manteve associado também às cidades.

Durante a Ditadura, as Comunidades rurais eram uma alternativa orgânica ao fechamento político. Porém, após a Guerra Fria em especial, este movimento sofreu transformações, pois imaginava-se que a própria política pudesse voltar a alimentar as utopias sociais – com destaque para a reforma agrária. E assim, as comunidades cederam lugar para as ecovilas, onde geralmente existe maior ênfase na propriedade e uma oferta de serviços especializados. 
Com isto, percebe-se uma clara aproximação daquilo que sempre se soube: “as únicas comunidades que realmente funcionam são aquelas que possuem uma filosofia definida por detrás, senão mesmo uma hierarquia interna.” Com isto, o aspecto anárquico reduz-se quase somente ao individual...

Um novo olhar para as cidades

Apesar das tendências anarquistas, o movimento comunitário cedo tendeu para as ideias de centro e unidade, seja convergindo para os “corações das terras” (Chapada dos Guimarães, Chapada dos Veadeiros, etc.), ou “flertando” com as cidades sob diferentes formas e circunstâncias. 



O próprio conjunto de desafios da vida rural (que recebe ainda tão pouco apoio do Estado), fez as pessoas olharem com mais carinho para os problemas das cidades. Não obstante, as relações urbanas seguem mal definidas, como um verdadeiro “elo perdido” das ideias alternativas. Enxerga-se ainda as cidades como “males necessários”, para situações-de-transição e fontes de recursos. 
Talvez se intua a dimensão dos desafios que representa transformar uma cidade, e talvez as pessoas não se sintam capacitadas para assumi-lo. Nisto, emerge não obstante paralelamente novas utopias -para além da distopia” da ecovila-, com destaque para as Cidades Novas!
De fato, mais que “um novo olhar para as cidades”, mereceria a nossa atenção hoje um olhar para a proposta de Novas Cidades. Começar as coisas do nada pode parecer difícil, mas ainda assim costuma ser mais fácil do que mudar o velho.

Ora, se a vida rural se apresenta tão difícil e as cidades representam um polo de atração tão forte para as pessoas, nada mais lógico do que buscar uma síntese entre estas propostas! Comumente o caminho-do-meio traz as verdadeiras respostas para as nossas angústias.
Até agora, muitos têm se abrigado no reducionismo, como antídoto ao gigantismo do sistema global. Primeiro foram as comunidades rurais, depois foram as pequenas cidades. Além, é claro, dos centros urbanos de serviços especializados –lojas naturais, oficinas de ioga e meditação, etc.
Podemos considerar que o abrigo das pequenas cidades –Alto Paraíso, São Lourenço, São Tomé das Letras, etc.-, representou a grande surpresa e a inesperada “inovação” dos movimentos comunitários, modificando o perfil cultural destes locais e redespertando nas pessoas o antigo ideal rururbano que constitui a mais antiga face das utopias da Era da Civilização.


Contudo, estas pequenas localidades ainda dominadas pela cultura tradicional podem representar apenas o meio-do-caminho, e não um verdadeiro caminho-do-meio. Para conseguir fazer “virar a correnteza” a favor do novo, seria necessária muita luta e organização, assim como um aporte realmente massivo de pessoas de nova mentalidade para estes locais. E ainda assim, os instrumentos de mudança seriam bastante tradicionais e, como tal, questionáveis sob vários aspectos, até quanto aos resultados.
Porém, comumente os próprios porta-vozes do Movimento Alternativo tampouco são seguros o suficiente daquilo que almejam, e sua capacidade de organização social já tem sido posta à prova com pífios resultados. 
Apenas os “encontros” anuais seguem atraindo mais pessoas, até porque ali elas acham mais pessoas, como ocorre nas cidades...
Há que se aprender, e não insistir em reinventar a roda. Precisamos resgatar sabiamente os códigos reais da Civilização, e não se limitar a negar algo comodamente, apenas por estar sendo mal empregado atualmente. Como dizem os hindus, basta “recolocar a Roda da Lei em movimento”.
A partir disto, a criação de novas cidades-comunidades –ou “Comuncidades”- trará todas as respostas que necessitamos. Poderemos finalmente implantar ali os paradigmas de Nova Era, dos mais físicos aos mais espirituais, com grande impacto sobre o mundo. Além disto, teremos na Cidade Nova um polo alternativo de atração e de transformação ativa das coisas, onde a relações com o velho se manterão ao mínimo necessário, investindo antes na sua transformação contínua. O espírito de militância e o engajamento será a raiz deste movimento. 


A Cidade Nova trará o resgate da utopia alternativa que hoje se esvai sob as ecovilas de caráter profissional e pecuniário, assim como a realização dos sonhos de mudança, obstaculizados pelas antigas dicotomias campo-cidade geradas sob o sistema oficial opressivo. 
Obviamente, há somente que cuidar do sistema social na Cidade Nova, para que seja realmente harmônico e autêntico.

Assista também aos videos
A Cidade Orgânica - integração do ambiente social
Comuncidades - Parte 1Parte 2 


* Luís A. W. Salvi é autor polígrafo com cerca de 150 obras, e na última década vem se dedicando especialmente à organização da "Sociologia do Novo Mundo" voltada para a construção sócio-cultural das Américas.
Editorial Agartha: www.agartha.com.br
Contatos: webersalvi@yahoo.com.br 
Fones (51) 9861-5178 e (62) 9776-8957

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