O
anarquista que se aferra a velhas fórmulas corre o risco de dar ao inimigo toda
a munição que este necessita para vencer. Pior ainda, ao tonar-se antiquado ele
se aproxima daquilo que melhor define o adversário, que é representar uma
visão-de-mundo ultrapassada e, o que é pior, atrofiada. O bom anarquista sabe
evoluir com o mundo.
Quando
vieram à cena os grandes teóricos (quase todos europeus), o mundo tinha uma
feição bastante diferente da atual. Vamos mencionar apenas dois fatores, que se
poderia todavia considerar capital: a maximização do poder bélico e a questão
ambiental.
A saturação
da força bélica coloca um imperativo determinante. Significa que já não se pode
vencer o inimigo usando as suas próprias armas. A União Soviética tentou fazer
isto e fracassou, mostrando ademais que esta via se tornou totalmente insana
–foi a visão que teve Gorbachev. E com isto, a adoção de medidas estratégicas é
que passa a ganhar valor.
Existem é claro a guerrilha e a sabotagem. Falemos porém da violência, que é aliás um meio para o marxismo e praticamente um princípio para o capitalismo. O sistema não vive sem bodes expiatórios. Muita gente lamentou o 11 de Setembro não por causa do atentado em si mas por suas consequências para o mundo, já que na ocasião o cenário internacional estava em fase de distensão. Sabemos fartamente que o Capitalismo (mas não só ele) comumente inventa pretextos para justificar as suas invasões e conquistas. Para o sistema, endurecer nunca foi nenhum problema - tudo o que ele precisa são de motivos e pretextos. E tudo isto apenas piora a vida das pessoas.
O
impulso para a violência gratuita em contextos “condenados” nada mais
representa que indisciplina e desorientação, fazendo apenas o jogo-do-inimigo.
Gandhi era um guerreiro e nunca afastou de todo a possibilidade do uso de armas
para combater, porém julgava que isto não funcionaria então. Já usando certo
método oposto ele obteve grandes conquistas -o que tampouco sabemos se
funcionaria hoje em dia.
O meio-ambiente, por sua vez, significa uma “causa” nova e
tão séria quanto a social e que a esta deve ser somada. A crise ambiental
acelera o relógio da História consideravelmente, demonstrando que necessitamos atualizar
e diversificar visões-de-mundo: simplesmente já não podemos investir na espera
da “evolução das mentes” que tanto se menciona no discurso anárquico...
O
anarquismo quer derrotar o Estado e outras instituições opressivas. Porém, seria acaso viável passar os séculos e quase
nada fazermos de concreto para edificar a nossa utopia –nos limitando antes a
reclamar e a fazer pequenos gestos de vandalismo?!? Falemos sério por fim...
Que
respeito pode pretender o anarquista que é incapaz de demonstrar a sua
visão-de-mundo de maneira construtiva e realmente autônoma? Reduzir-se a culpar
o Estado por tudo pode não passar de infantilismo e de acomodação.
Afinal,
ofensiva, baderna e sabotagem pertencem apenas a uma das linhas-de-ações
anarquistas propostas, que não obstante se veem atualmente altamente
questionadas pela própria situação do mundo.
A deserção
é outra tática muito importante, a sociedade alternativa em busca de um ideal
de vida. Mas neste sentido, de pouco vale pequenas comunas urbanas para alcançar tudo que se necessita. Se é para
termos uma ilha em meio ao oceano, que ao menos esta ilha tenha o seu resplendor! É preciso pensar na capacidade de socialização das nossas ideias.
Uma coisa é certa: de nada adianta a ofensiva
sem poder contar com a defensiva. Enquanto as pessoas não tiverem minimamente formas
de sobreviver e de afirmar a sua independência, significa que as coisas ainda
não estão maduras e a presença da contradição no seio deste pensamento será fatal...
Certamente o anarquismo tem ainda muito a
aprender, especialmente sob a mudança dos tempos. A evolução demanda e confere
maior capacidade de raciocínio e de compreensão. Este avanço permite abandonar
passo-a-passo velhas trincheiras ideológicas, entender por fim que nem tudo é
tão podre como se imagina e que muita coisa apenas apodreceu como apodrece tudo
o mais na vida.
De todo modo, urge resgatar e revitalizar a praxis da sociedade alternativa. A
permanência dentro de um sistema contestado é somente mais um comodismo. Alguns
podem argumentar que querem permanecer no “palco da luta”. Não vamos dizer que
muitas vezes isto seja pretexto para abrigar velhas contradições e rendições,
como poderia ser o desejo de estudar e ter uma carreira formal. Porém não deveria
haver contradição entre atuar no velho mundo e buscar construir algo realmente
novo, desde que a polarização fosse sempre em direção ao último.
Para que o anarquismo deixe de ser
um fenômeno predominantemente etário e um impulso transitório, ele necessita
organizar bases autonomistas sérias: apenas isto lhe poderá conferir maturidade
e consistência. Enquanto o novo pensamento não
contar com suas próprias bases, ele nunca passará de uma nota-de-rodapé no livro da História –e o que é pior, uma ilusão e um
modismo fugaz.
Talvez muitos que adotem a filosofia
anarquista sejam pessoas de caráter mais ofensivo, daí as dificuldades do
convívio e da organização. De todo modo, os anarquistas devem ser mais
flexíveis e saber somar forças com os afins para além dos seus pequenos grupos
ideológicos. Há muitas correntes capazes de somar na busca de um mundo melhor e
há anarquismo em muitas delas. Tanto a oposição ao velho quanto a ideia do novo necessitam
ter uma face plural. E certamente há
muito para se inspirar, para além dos chavões anarquistas e mitos românticos como
os piratas que afinal estavam é a serviço do imperialismo...
Para concluir, este apelo à construção adquire
uma força determinante quando se trata do Novo Mundo, onde todas as coisas estão
ainda sendo construídas. A grande força desconstrutiva do anarquismo até pode
apontar horizontes utópicos no cenário europeu, porém nas Américas ainda tão
colonizadas e em busca de seus próprios caminhos -onde se demanda pois um parto e não uma morte- aquilo que realmente vale é dar o exemplo e apontar
modelos.
Então, é hora de rever as luminosas brechas da
História para nela finalmente podermos penetrar.
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