por Luís A. W. Salvi, filósofo e escritor
Devemos refletir sobre a mudança de paradigmas do Movimento
Alternativo ocorrido na virada do milênio, onde o enfoque social de
“comunidades” foi subitamente trocado pela face ambiental de “eco-vilas” mais
ou menos sofisticadas, e ainda sob certa matriz material porquanto quase sempre
demanda recursos financeiros para aquisição de lotes e casas. Devemos pensar que
muita gente que antes era jovem, pobre e idealista, mudou suas ideias depois
que acumulou recursos ou herdou bens-de-família? Se for assim seria algo
lamentável e incoerente... porque responsabilidade social não deve ser assunto
apenas de Governos constituídos, e nisto entra certa maturação da Filosofia
Alternativa como algo mais do que simples carpe diem (“aproveitar o momento”) a
que tem sido muitas vezes reduzida...
Não é apenas porque algumas pessoas tiveram recursos para
adquirir terras e formar eco-vilas, que estas estruturas devam deixar de lado a
sua função social. Pelo contrário, em muitos momentos da História, os novos
modelos sociais foram alcançados também através da conversão de recursos
privados em bens públicos, quando talvez nem houvesse outra forma de conquistar
isto mas foi feito graças à generosidade e à visão ampla de alguns.
Verdade que nas décadas anteriores era comum a figura do “patrão
alternativo” na falsa-comunidade, mas isto nem importava tanto para muita
gente, porque de todo modo havia o convívio, a Natureza e a espiritualidade.
Alguém dirá que tudo isto poderá permanecer nas Eco-Vilas; porém estas costumam
fechar as portas para quem, por qualquer razão (inclusive por ser muito jovem),
não possui recursos mesmo se dispondo a trabalhar.
Ora, o primeiro valor
econômico do ser humano deve ser o próprio trabalho, muito acima do
dinheiro e da posse. Porém, quando as eco-vilas acatam alguém pelo trabalho,
recebendo estas pessoas em locais muito humildes, corre-se o risco deste
trabalhador assumir certa função de empregado sem direitos iguais aos dos
“investidores”, e com isto gerar classes sociais de forma ainda mais
escancarada -o que ao fim e ao cabo parece estar se revelando quase uma
inevitabilidade! Os proprietários, por sua vez, devem tomar cuidado contra as
ações trabalhistas que tem surgido nestes meios; e no fim tudo isto acaba se
tornando deveras comum...
Definitivamente, poderá se estar criando apenas mais uma
estrutura burguesa, “verde”, é certo, porém muita desta “tecnologia verde” mais
sofisticada também possui um alto custo social e ambiental, empregando
materiais extraídos de minas devastadoras e com trabalho escravo mundo afora.
Seja como for, uma das sugestões é que as eco-vilas aperfeiçoem
os seus contratos internos e suas estruturas para ter ao menos uma casa
comunitária para receber pessoas sem recursos. Será um investimento social
alternativo, dando oportunidades para pessoas afins e evitando tratar com
pessoas estranhas ao meio que vem apenas pelo dinheiro, pois sempre será
importante para os aspirantes ter esta experiência e aprendizado.
Ademais, também será importante contar com meios para o
crescimento social, pessoal e econômico do novo membro. Quando esta pessoa
resolver se fixar e constituir família, ela deve receber um lote e sua casa
deverá construída através de um mutirão. Isto não significa que ela já se torne
uma proprietária - na verdade, a própria ideia de “propriedade” poderia ser
posta em questão nas eco-vilas, e com isto sim se estaria caminhando para um
estágio sócio-cultural mais maduro, harmônico e universal.
Certo caráter “autoral” do Movimento Alternativo tem movido
as coisas numa direção particular. Contudo, a grande questão está em fazer
realmente avançar este quadro no rumo do cooperativismo e da socialização, como
veremos a seguir.
Cultura
Alternativa: hora de fazer avançar!
As comunidades malograram porque estavam muito influenciadas
pelo espírito anarco-individualista, com isto elas se isolaram do mundo através
de seus próprios preconceitos. Eram comunidades fechadas, mais lunares do que
solares, não raro de caráter experimental e movidas a muita droga. Quando o
paraíso se foca muito no interior de cada um, o exterior (social, ambiental) reduz
a sua importância, e nisto os adeptos das drogas imitam os religiosos
transcendentalistas. Porém, é preciso buscar ao menos um equilíbrio, para que
as coisas realmente prosperem, regulando, disciplinando e diversificando as
práticas de cada qual com as necessidades de todos.
As pessoas muitas vezes ignoram a importância de refletir
sobre estruturas, no caso, estruturas materiais como base para estruturas
sociais. Observando a história humana, veremos que muitas vezes as melhores
soluções foram realmente comunitárias com base na cooperação.
Locais simples e similares para todos, “compensados” pelas
riquezas mais verdadeiras da vida que são a fraternidade, a espiritualidade e a
Natureza...
Para que a Cultura Alternativa tenha força, é necessário
organizar os ambientes coletivos; e como cabe visar hoje bastante gente para
que novos valores prosperem na humanidade, somos forçados a pensar em
verdadeiras cidades ambientalistas, e
que ainda se multipliquem como células para não apenas crescer como um tumor
feito as monstrópolis capitalistas que todos conhecemos. E que naturalmente
podem começar através de simples eco-vilas, com pessoas que tenham a saudável
aspiração de incluir movimentos sociais visando uma efetiva mudança dos modelos
culturais vigentes.
E com isto, nós realmente entramos nos trilhos da recriação
da História, porque assim se fez e se fará sempre, desaguando não raro inclusive
nas Idades de Ouro da humanidade... Porém, neste caso cabe investigar muito bem
as estruturas sociais e culturais que tem permitido chegar a isto, as quais
certamente se pautam pela generosidade, experiência, previdência e espírito
holístico.
A diversidade-na-unidade esteve sempre em pauta e, com isto,
o respeito à vocação e à evolução de cada um. Cidades permitem e demandam esta
riqueza sócio-cultural, sendo natural contar com categorias sociais
especializadas (transitórias ou não, de livre-escolha), coisa positiva quando
fundada numa vocação.
A anarco-presunção de “todo mundo fazer de tudo” resultou
apenas em que “ninguém quer fazer mais nada”. O mais correto seria destinar tarefas,
de modo que se alguém ainda não faz aquilo que ama, que ao menos possa amar
aquilo que faz, graça ao ambiente fraterno e acolhedor que o cerca e ao
espírito de serviço que inspira a todos.
Enfim, o aprendizado é longo mas necessário, e os caminhos
para o futuro estão se abrindo.
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