Vivemos tempos difíceis, com caminhos sociais e políticos
sombrios. O futuro é uma incógnita e os vaticínios não nos são alvissareiros. O
encontro de barreiras tão formidáveis nos leva a refletir e a repensar os
nossos passos, quiçá visando tomar a distância necessária para buscar vencer os
grandes obstáculos que temos à frente, através do acúmulo de maior carga
histórica.
Será que o passado teria algo a dizer sobre o nosso futuro?
O bom senso aponta que sim, ainda que os livros escolares se calem por razões
ideológicas sobre o passado mais glorioso da humanidade, por não haver sido este
muitas vezes “republicano” e “democrático” como se diz, mas sim protagonista e orientado
por grandes gênios universais movidos pelo holismo e pela espiritualidade, em
momentos nos quais a humanidade cansada de penar reconheceu a necessidade de
renovar a si mesma, vendo nestes Enviados modelos de conduta e de paradigmas para
si mesma, renovando assim a esperança perdida das nações. Prefere a nossa
História materialista relegar aos mitos e até às fábulas aqueles personagens que
protagonizaram renovações sociais e civilizatórias, sem poder no entanto
explicar como os movimentos –não raro pacíficos- que inspiraram, tiveram força
para mudar a História e renovar a face das civilizações através dos séculos.
A diferença entre espiritualidade e política é mais
artificial do que se costuma querer mostrar. A História reconhece esta
proximidade apenas no caso dos profetas mais “violentos” como Maomé. Porém, figuras
altamente militantes como Buda e Jesus constituem alguns dos mais
representativos exemplos de revolução pacífica que existiu. Se o Cristianismo
se manchou de sangue aqui e ali, não foi por nenhum estímulo do seu fundador.
Nisto, o Budismo alcançou se preservar melhor. Mas estes são apenas alguns dos
exemplos; revirando a História sem preconceitos iremos encontrar muitos outros
nomes ilustres, como Mahavira, Osíris, Zoroastro, Odin e tantos outros que a
História muitas vezes sequer preservou os nomes.
Origens e adaptações
Os grandes arautos da Cultura da Paz ostentaram singelamente
uma macrovisão estrutural da sociedade humana, e propuseram métodos
revolucionários de grande alcance, visando a mudança da sociedade através da
reforma profunda e integral do ser humano, empregando nisto também a
organização de ambientes propícios, dignos e adequados – porém, sem se isolar
do mundo, antes irradiando poderosamente a partir dali (e também nos antigos
ambientes sociais) as suas ideias, naquilo que tem sido uma das suas grandes
chaves-de-sucesso.
Fortalecer-se é um primeiro passo numa revolução cultural, e tal coisa se realiza muitas vezes pela agregação social. O proselitismo (característico das religiões “universais”, segundo A. Toynbee), tão mal visto hoje em dia por razões corretas e errôneas (não obstante ser fartamente praticado através da mídia e da ideologia), era de início um instrumento revolucionário precioso, pois pelo convencimento e pelo exemplo se tratou de atrair ou de “converter” as pessoas para uma outra visão da vida.
Trata-se, pois, do método do “encantamento”, da paz e da
cultura iluminada, que idealmente deveria incluir um modo-de-vida mais natural
e fraternal (coisa que pouco sentido faria entre os indígenas, por exemplo),
para que esta nova visão pudesse frutificar. E assim floresceram comunidades
autônomas onde a unidade-da-vida e a integridade da pessoa eram respeitadas. Implícita
nesta atitude está o respeito à diversidade cultural (holismo, multiculturalismo),
ausente nos impérios mais opressores e também nos métodos dos revolucionários
(e talvez até entre os “libertadores”) que primam pela violência alcançando
mudanças mais superficiais e instáveis.
Mas Impérios não costumam gostar de ver muitas pessoas esclarecidas e independentes reunidas. Então os clérigos foram pressionados para que se mantivessem mais nos seus mosteiros e moderassem os seus discursos para a plebe, sob pena da “religião” voltar a ser perseguida pelo Estado. Não obstante o seu pacifismo intrínseco, muitas vezes os sábios permitiram que as suas sociedades se defendessem de ataques ou que promovessem lutas-de-livramento, como é comum no Velho Testamento, cultura que reflete ademais um importante espírito-de-época político através do êxodo urbano organizado, presente em Abrahão e logo em Moisés, mas que pode ter seus protótipos nas lendas noéticas que se relacionam ao Manu hindu, ao Xisutrus caldeu e a tantas outras personagens afins ao redor do mundo e em muitas épocas, como o Quetzalcoatl tolteca e o Huitzilopochtli asteca.
Era enfim como a dizer: “Nós já lhes demos a ‘outra face’, e
até os respeitamos em suas vilanias. Mas vocês seguem nos perseguindo, e agora
basta disto, porque tudo tem o seu limite.” Nem sempre os sacerdotes ou os
profetas acataram as pressões externas, antes buscaram unir o povo para
resistir em torno do seu deus tutelar ou messias. Nas Guerras Guaraníticas
(contra os Impérios Ibéricos), os jesuítas apoiaram amplamente os seus
protegidos mesmo sabendo da fragilidade militar dos índios -quebrando o seu exclusivo voto de obediência ao Papa-, e a Ordem foi
banida das Américas por séculos.
Quando a civilização cristã finalmente se degenerou, teve
início a sua derrocada. Ainda assim, veio um São Francisco para trazer um novo
sopro-de-esperança... os santos e os sábios têm esta missão de preservar,
adaptar e renovar os ensinamentos espirituais da humanidade. Comparativamente,
Gandhi teria sido mais um político-santo que o contrário. Nem sempre a
violência é uma estratégia de libertação eficaz, dizia o Mahatma, certamente
assinado-em-baixo por muitos santos-políticos.
Caso a humanidade seguisse mais de perto os ensinamentos de
Francisco, nós teríamos hoje um outro quadro no planeta, com mais respeito pela
Natureza e de maior amor ao próximo. Mais franciscanismo faria um bem
imensurável sobre as massas modernas alienadas...
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