Os riscos das hidrelétricas nas secas do futuro

A meteorologia sempre foi uma ciência complexa, dada a diversidade de fatores que configuram o clima planetário. Porém, na medida em que a imprudência humana tem alterado estas variantes, se torna cada vez mais difícil a prevenção climática.
As grandes hidrelétricas são sistemas que trazem imensos transtornos ambientais e sociais, quase sempre para movimentar sistemas falidos de urbanismo e de macro-economia, vitimando por sua vez aquilo que de maior valor humano possui hoje em dia, que é a Natureza, o homem da terra e as pequenas comunidades, algumas delas de uma antiguidade verdadeiramente imemorial...
Com as mudanças climáticas em curso, estes grandes geradores de energia elétrica começam a mostrar as suas debilidades, uma vez que a sua eficiência depende hoje de uma Natureza em transformação –dificuldades que podem não ocorrer tão facilmente através de outras fontes de energias, como a eólica ou a solar. Tal coisa tende a se agravar em ecossistemas frágeis como o da Amazônia, onde têm sido verificadas secas verdadeiramente assombrosas em seus grandes rios, já que este mundo em formação depende tanto de um macrosistema ambiental.
Os rios têm sido extremamente prejudicados, pela poluição, pelo assoreamento (face o desmatamento e, muitas vezes, de garimpos sem controle), pela irrigação de monoculturas comerciais feita até nas épocas de seca e, finalmente, pelo desequilíbrio climático. Há rios que não conseguem mais sequer abastecer regularmente as populações e cidades por onde passam, que dizer de alimentar barragens?
Outras matrizes energéticas convencionais, até mesmo as matrizes alternativas, também podem correr riscos em tempo de crise ambiental, porém cabe prever para que tais perigos não se tornem catástrofes ainda maiores, como ocorreu em Fukushima. Não se tem provas de que terremotos e vulcões tenham uma ligação direta com as ações humanas, porém tampouco se pode descartar isto, especialmente dentro da Teoria Gaia.
Ora, o Estado brasileiro começa agora a “atacar” a Região Amazônica, para “produzir a energia que ao Brasil precisa” nas próximas décadas. Nenhum governo quer ser acusado de ineficiente ou de displicente pela próxima geração, comprometendo assim o “progresso” de um país sem dúvidas promissor. Porém, as secas começam a comprometer a eficiência das grandes hidrelétricas, mesmo fora da região amazônica, de modo que é urgente a diversificação do modelo energético do país, nem que seja pelo ângulo dos seus resultados econômicos.
Estas novas invasões tecnocráticas, ameaçam ecossistemas frágeis e importantes, assim como a existência dos últimos povos tradicionais do mundo, avançando sobre o Rio Xingu (Usina de Belo Monte), assim como sobre o mais belo rio da Amazônia, que é o Tapajós, chamado de “Caribe amazônico” por causa da transparência única das suas águas, hoje amplamente invadidas por garimpos. Pode se esperar crimes ambientais e étnicos mais graves do que estes? Contudo, o país e o mundo já não podem tolerar isto. Está na hora do Brasil despertar para a realidade da sua condição única e para a irreversibilidade destas ações destrutivas.

A verdadeira economia é a ecologia

Eis que o mundo está em mudanças, e estas demandam não somente uma revisão de valores e procedimentos, como também um olhar crítico sobre o desperdício. Ora, o ser humano tem vivido até agora, como um adolescente mimado e imprudente, que age como se fosse imortal. Isto significa que ele tem desperdiçado muita coisa pelo caminho. Assim, é preciso começar, antes de tudo o mais, a rever os seus modelos, e atentar para o verdadeiro significado da palavra economia, que passa menos pela produção e mais pela preservação.
A primeira coisa a ser feita, é revisar o modelo econômico e também o cultural. É natural que os governos sigam “tocando o barco” da forma como sempre fizeram, se a própria sociedade não toma iniciativas para mudar o curso das coisas. Assim, além de questionar o desperdício passivo, que é cerca de 1/3 nas diversas etapas de produção e transmissão da energia (longas distâncias, más instalações, etc.), a sociedade nacional também deve se perguntar sobre a destinação desta energia que vem sendo produzida a um custo ambiental e social tão alto, ainda que ele pareça mais econômico do que outras fontes de energia, quando se descartam estes valores humanos e ambientais, como o Estado brasileiro tem feito de forma negligente, ainda voltado mais para a macro-economia.
Ora, quando percebemos que o modelo de consumo da energia é altamente irracional e perdulário, descobrimos que o desperdício ativo de energia é, no mínimo, igual ao passivo, já que envolve grandes redes de iluminação, sistemas de iluminação defasados ou irregulares, desperdício de energia doméstica, etc. O preço que uma cidade grande cobra em iluminação para efeitos de segurança, é um absurdo completo -além da energia mover a indústria de um modelo que geralmente é de exportação, ou voltada para um consumismo predador, individualista, irresponsável e alienante. Assim, ao invés de seguir alimentando estes Molochs devoradores dos seus filhos, a sociedade deveria tratar é de rever o seu modelo de urbanismo e de organização social.
Chega a parecer patético que índios, camponeses e aldeões, tenham as suas terras inundadas para gerar energia para cidades a longa distância. Esta violência e arbitrariedade são, na prática, uma perfeita atitude colonialista e imperialista, incorporada pelo regime republicano pseudo-independente nacional. Pois seguindo esta mesma lógica, no dia em que houver um Estado único no planeta, este Governo também central poderá pretender inundar uma nação pobre e menos populosa, justificando criar melhorias em outra nação rica e mais populosa. Trata-se, pois, de simples autoritarismo e do mais cru abuso de poder, contra o qual a sociedade deve se rebelar porque atenta contra os mais autênticos valores nacionais.
Por isto, uma das primeiras regras da economia, é que cada cidade deve tratar de produzir a sua própria energia, com seus próprios recursos naturais, sejam eles orgânicos ou não. Esse pode ser, inclusive, o primeiro passo para que o ser humano, aprenda finalmente que não pode ser dar ao luxo de acumular lixo, e trate de usar os seus “resíduos” na produção de energia renovável. Afinal, hoje em dia já existe tecnologia para extrair energia das mais diferentes situações: das ondas dos mares, dos passeios públicos, das academias de ginásticas, das pistas de dança e até do calor humano dos ambientes públicos. Definitivamente, não se pode confiar em quem produz lixo e em quem polui.
Quanto ao campo, como fonte de vida que é, este sempre soube “se virar” produzindo a sua própria energia de forma diversificada, seja através de pequenas hidrelétricas, através de tração animal, mediante queima de combustível vegetal, através de cata-ventos e rodas d’água, e assim por diante. Atualmente, existe a tendência do uso da energia solar em lares e pequenas propriedades isoladas, com patrocínio do Estado, mostrando um caminho individual para os mais pobres.
A necessidade de produção de energia de forma “independente” e alienada do meio circundante, sempre foi destinada apenas para as metrópoles e as grandes cidades, e isto inclui não somente os sistemas energéticos mecânicos, como também os humanos, como era a própria escravidão. Ainda que os escravos muitas vezes atuassem nas fazendas, o destino da produção eram realmente as cidades, ou senão alimentar outros escravos que serviam o Estado e os mais ricos. Pois tal como as sucede com as drogas, também acontece com a alienação produtiva: enquanto houver demanda, também haverá oferta.
Tentando abrir os seus próprios descaminhos, a propaganda das hidrelétricas busca hoje sugestionar o sentimental das pessoas, fazendo-as imaginar que esta produção de energia beneficiará também os camponeses e os pequenos produtores rurais, como se estes em algum momento tivessem jamais necessitado disto, como se as suas vidas fossem ruins antes de terem eletricidade e televisão, quando na verdade acontece todo o contrário, e finalmente, como se as hidrelétricas fossem a sua única opção para terem luz e acesso ao –não raro duvidoso- “progresso”! A ênfase consumista da televisão, apenas contribui para esvaziar e desumanizar a vida rural, ao difundir valores decadentes, levando os camponeses a venderem as suas terras aos poderosos latifundiários, para logo virarem favelados sob as ilusões das cidades grandes.
É preciso reavaliar então, aquilo que podemos entender hoje por “paraíso”. Podemos dizer que, se reunirmos hoje todas as conquistas da Ciência nas áreas da Física, da Biologia, da Saúde, da Educação, da Sociologia, das Artes e assim por diante, provavelmente não estaremos longe de uma “bucólica” ou de uma arcadiana concepção tradicional de idílio.


Da obra "s Cidades da Luz", Ed. Agartha, LAWS

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